Opinião
O Filósofo do Cais
Por Sergio Cruz Lima
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
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No Brasil-Império, o personagem conhecido no Rio de Janeiro pelo título de Filósofo do Cais é João Adalberto Matias, barão Schindler, descendente da velha nobreza alemã.
Após peripécias na Europa, inclusive o assentamento como praça no exército da Baviera, cujo batalhão mais tarde passaria a integrar as tropas de Napoleão Bonaparte, o frustrado amor por uma bela princesa, filha do conde Mickwitz-Katzenellenbogen, e a internação em uma casa de alienados, local no qual entregou-se aos livros na tentativa de aplacar o seu malogrado romance com Ermelinda, o barão Schindler desembarca na capital do Brasil. No cais, um tipo alto e magro, olhos negros, feições inexpressivas, traja um vestuário integralmente verde, pés descalços, e usa na cabeça um disforme chapéu tipo militar com imenso topetão de couro, que logo haverá de substituir por veludo.
João vaga dia e noite, sempre em passo marcial pelo Largo do Paço. No crescente da lua, se desconcerta totalmente, e é justamente nessa oportunidade que escreve os trágicos fatos da sua vida, fazendo a conta dos juros da fabulosa riqueza que diz possuir na Alemanha, narrando também a correspondência havida com as muitas pessoas de suas relações, em múltiplos países. Nos cadernos escreve, também, os diálogos esquisitos tidos com moleques, quitandeiras, garotos e guardas municipais. Deixa notas cômicas tidas com um homeopata, que almejava curá-lo pelo magnetismo. Sem razão de ser, a polícia manda interná-lo em uma casa de correção. Ali, ele passa alguns dias. O barão Schindler cozinha no próprio cais e dorme no Arco do Teles ou nos adros da capela imperial e da igreja de São José. O que come das quitandeiras, por óbvio não paga. Esmola em certas casas e jamais aceita outro dinheiro que não seja de cobre, que depois troca por bilhetes do Tesouro Real, e os traz dentro de um lenço que esconde no bolso da calça.
Em fins de 1855, durante o reinado de dom Pedro II, acometido de uma febre perniciosa, o barão Schindler é recolhido à Santa Casa de Misericórdia. Dentro de oito dias falece. Em vala comum é sepultado o barão Schindler, o Filósofo do Cais.
Muitas vezes paixões deprimentes ou um amor excessivo arrastam os indivíduos a excessos descomunais, até mesmo à loucura, sendo esses mesmos indivíduos dignos de legítima comiseração. Creio que foi pelo pressentimento natural no povo, que o Filósofo do Cais não foi perseguido por moleques, nem importunado por garotos das ruas.
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